Como resolvi postar novamente os meus contos, acho interessante (para mim) postar também esta carta-resposta que escrevi a uma amiga que me fez algumas perguntas sobre os meus contos. Segue, portanto, a resposta.
Jackelaine,
Sinto-me numa situação incômoda ao ter de falar sobre os meus escritos, os quais, pensei, não deveriam ter saído da minha gaveta de guardados; mas a vaidade de ser lido foi maior e eu mandei para um ou outro amigo que foram lendo e gostando, dando uma sugestão aqui, um pitaco acolá sem que eu nem sempre concordasse com eles. Esse incentivo fez com que eu retirasse da gaveta de guardados os textos. Olhe que uns, os da época do Premen, realmente passaram muito tempo de molho. Como uma de suas perguntas era sobre qual ou quais desses contos escrevi no tempo de estudante de ensino médio, digo-lhe que “A partida” e “Prestação de Contas” surgiram de esboços de redação pedida numa das aulas de português. Eles foram reformulados e encontram-se na versão que você leu.
O conto “A partida” foi publicado na Revista Cordeletras, como sendo de ..., um dos meus pseudônimos. Ainda não cheguei a ter a criatividade de Fernando Pessoa para a criação de heterônimos. Os meus são sempre pseudônimos. Eu me escondo por detrás deles. Mas voltando à gênese dos contos, afora aqueles dois a que me referi antes, os demais foram produzidos entre 2007 e 2008. Apenas os dois últimos foram escritos este ano, já estando eu aqui em Monteiro.
Você poderia me perguntar por que resolvi escrever. A primeira resposta seria: escrevo como conseqüência do fato de eu ser um leitor, não diria ávido, mas um leitor acima da média. Tenho verdadeira compulsão por livros. E, como você sabe um pouco de minha vida, deve saber também que a leitura foi um subterfúgio para que, apesar de todas as agruras que marcaram a minha vida, eu continuasse a acreditar na vida, mesmo havendo tantos apesares: as parcas condições econômicas, a relação nem um pouco amistosa com meu padrasto, a falta de afeto em casa. Desde pequeno, senti-me meio que deslocado do mundo. Por isso, eu lia. Ler era uma forma de compartilhar as alegrias de que eu não podia desfrutar com pessoas de carne e osso, apenas com aqueles seres de papel.
As personagens dos romances, contos não só dividiam alegrias comigo, mas me ensinavam a conviver com as minhas tristezas, as minhas dores. Daí vem o segundo motivo por que, de súbito, eu resolvi escrever. Os contos são formas de eu exercitar as minhas alegrias, as minhas tristezas. Como eu me sinto um ser triste, melancólico, apesar de não aparentar, os meus textos são permeados de tristeza, de melancolia. Ora, quem só encontrou tristezas pode falar de alegria? Mas calma, e aqui talvez seja o professor de literatura que está a falar, tudo isso que eu disse sobre os meus contos pode ser uma encenação. Escrevo sobre coisas tristes porque, como disse numa de minhas aulas, a tristeza só me é bela se plasmada artisticamente e, só assim, ela vale a pena ser vivida.
Você me pergunta se as vozes em meus contos são todas femininas. Eu diria que não. Existem vozes femininas e vozes masculinas. O problema é que as vozes, quando masculinas, se assemelham às vozes femininas porque, em alguns casos, ambas falam de suas dores advindas dos desencontros amorosos, da indiferença do ser amado. No caso das vozes masculinas, o outro do seu afeto é do mesmo sexo. E falar de um homem que gosta de outro homem não me fácil. Por isso, como espécie de escamotear essa homoafetividade que permeia uma parte significativa dos contos deste livro, é a possível não sei se diria ambigüidade ou neutralidade, agora não sei, da utilização do par ele X outro.
Não sei se isso seria suficiente para dizer que esses contos são literatura gay. Até porque não sei o que de fato caracteriza uma literatura gay. Se for pela temática, os contos podem ser enquadrados. De qualquer forma, creio que podemos falar na presença de uma homoafetividade nesses contos. Só posso dizer isso, porque não entendo nada dos estudos queer. Apenas o desejo de estudar mais sobre o assunto, assim que terminar o doutorado.
Agora me lembrei de uma pergunta sua sobre as pessoas a quem eu dediquei os contos. Todas elas são pessoas com quem eu convivi ou com quem convivo. Os contos não foram escritos pensando nelas. Apenas dois ou três foram escritos tendo na mente a pessoa a quem eu dediquei, seja porque me pediu para escrever o conto, seja porque eu me senti encantado pela pessoa e quis escrever o conto como um presente que queremos dar quando estamos embevecidos por alguém. Os outros foram dedicados como uma simples forma de demonstração de afeto que sinto pela pessoa cujo nome consta na dedicatória, mas foram escritores sem ter em mente esta pessoa.
Por fim, ainda relacionado à questão das vozes em meus textos, se são masculinas, se são femininas, digo-lhe que são vozes humanas que busquei representar. Acho que é isso: todos os textos que você leu buscam representar o humano, com suas alegrias, mas, sobretudo, com suas tristezas e angústias diante da recusa ou decepção amorosas ou diante do próprio existir. Talvez, essa seja, de fato, a grande temática do livro, algo que, como um vitral, é composto de pequenos cacos. Na construção desses personagens, de seus dramas, busquei encontrar-me a mim mesmo. E o pleonasmo aqui é bem intencional. Se há alguém que se sentiu tocado é porque deve trilhar, ainda que por outras veredas, esse longo caminho que é a existência que se torna menos árdua quando encontramos alguém com quem compartilhá-la, seja como companheiro, seja como leitor, mas sendo sempre uma companhia.
Monteiro, 03 de outubro de 2009
2 comentários:
Sou fãaaaaaaaaaaa adoro ler teus textos
Pri Marques!!
Marceeelooo, meu querido! Bem que eu imaginei que tava perdendo tempo sem ler os teus textos. Vim pra este porque o título me chamou a atenção... Acho que porque às vezes me pergunto isso. Por que eu escrevo, qual a finalidade de tudo isso? E o mais inesperado é não conseguir justificar direito... É uma espécie de necessidade. Me identifiquei com isso, e quis ler tua resposta. E que boa escolha a minha, ler ela antes dos outros! A gente realmente se mostra nos textos que escreve, mesmo que de forma disfarçada... "E os que lêem o que escreve / Na dor lida sentem bem" - ler, mergulhar no universo de outra pessoa, é fantástico! É ter em si o sentir do outro... E escrevendo, se coloca pra fora o que às vezes não consegue evasão de nenhuma outra forma, ao passo em que se ganha companheiros de jornada, ainda que à distância. Os sentimentos no papel representam todas as vozes que nem sempre ousam falar na vida cotidiana... Por isso tudo que eu aprecio ler e escrever. E gosto do que você escreve! Keep on doing that ^^ - it's awesome.
beijos,
Cinthia
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