Para você, a cuja altura nunca pude estar, deixo com saudosas lembranças estas últimas palavras.
Queria ter-te aqui ao meu lado, contemplar o teu rosto e sentir-me feliz. Mas de ti o que tenho é a vaga lembrança de um corpo que não foi meu e o pesadelo de imaginá-lo em outras bocas, outras mãos, por cima ou por baixo de outros corpos, nas carícias de outros pêlos.
Se soubesses o quanto me és precioso... Devo, entretanto, contentar-me em te ter apenas como essa lembrança que, apesar do tempo, ainda persiste, indelevelmente, na minha memória, no meu corpo, como uma ferida que, embora cicatrizada, ainda dói, lateja. Por isso, para te ter meu, precisei distanciar-me de ti. Acreditar que a distância podia conservar-me um pouco de ti, para que eu não te perdesse de vez, era o meu grande alento. Ah, este inferno de amar, como ainda te amo! Ter de controlar-me os instintos, quando queria jogar-me aos teus pés e pedir-te um beijo apenas. Sentir, por mais efêmero que fosse, o roçar, afável, de meus lábios, lado a lado, dos teus.
Devo, entretanto, mirar-me no espelho da impossibilidade, de consumir-me no inferno da cálida interdição. Pathos devia ser o meu sobrenome. Deves saber o mal que me fazes (“Mas te divertes com isso. Adoras tripudiar, quando tens a certeza de que és desejado. Comprazes-te em ser a fonte das dores deste outro que sou eu”). As palavras duras, os gestos bruscos, os nãos, quando esperavas um sim, eram reações amargas de um amor de mão única. Na não correspondência de teus afetos, eu gestava em mim uma miríade de desafetos. Entretanto, quanto mais eu tentava ferir-te, mais eu feria a mim mesmo.
Tornastes para mim a dose diária de que necessita um paciente em estado terminal. Ter-te em meus braços, sorver os teus beijos alimentavam-me esperanças, as mesmas que sentem aqueles que já estão condenados à morte. Poderias ter-me servido de salvação, mas, por amor a ti, cada dia, cada hora, eu marchava por um caminho desconhecido, mas que levava a uma única direção: a dor, a tristeza, a solidão, a possibilidade de te ter apenas como um desejo, nunca como uma realização. Mais cruel do que a tua recusa em me dar, ainda que em migalhas, o teu afeto, era ficar questionando-me sobre o porquê de tua recusa. O que me faltava? Por que eu não estava ao alcance de teus desejos? Perguntas e mais perguntas dilaceravam o meu peito, faziam sangrar o pobre coração doente. A falta de respostas era uma música lancinante a entoar em meus ouvidos dia-a-dia.
E assim abri espaço para que o sofrimento ditasse as regras de meu viver. Eu passei a me enganar, pensando que sofria não por ti, mas por mim mesmo, que eu precisava provar na pele a dor da indiferença, do desprezo, do não poder ser objeto de desejo, mas apenas sujeito desejante. Queria poder me enganar, acreditando que me eras apenas “o motivo de alimento da minha paixão, a quem talvez bem mais queira do que a ti”, mas era tudo uma ilusão. Eu não amava te amar, eu ama a ti, somente a ti. Fostes, e talvez continues a ser, não a razão de meu viver, mas toda a minha vida. Por isso, mais e mais, eu alimentava-me o desejo de estar ao teu lado, de te ter perto de mim, de saber com quem andavas e com quem dividias as carícias por que eu tanta ansiava. Fui-te fiel, amei-te, fostes-me indiferente. Quis acreditar, como dizia a letra de uma velha canção, que não valias a pena, que não valias uma fisgada de minha dor, que não me servias, como rima de um poema, de tão pequeno.
Entretanto, eu estava, mais e mais, exercitando a minha dor na vã tentativa de que, depois de bem curtida, como um bom vinho que se guarda, durante longos anos, em barris de carvalho, eu pudesse expurgar-te de mim. Tanto que hoje eu queria que persistisses em mim como uma ausência, mas não como uma falta. Resistindo à tua perda, (“Sei que te perdi e me afundo, me perco também dentro de minha total ausência de poder em que me queiras”), escrevi estas palavras, única memória de ti em mim. Queria poder dizer-tas, mas elas persistirão guardadas comigo, porque não consigo enganar a mim mesmo. Se viesses a descobri-las, sabe-se lá por intermédio de quem ou do quê, acreditas que tudo aqui não passou de uma encenação, que, como bem disse o poeta, que “todas as cartas de amor são ridículas”. Não esqueces também que, segundo o mesmo poeta, “só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas”. Queria poder não ter as respostas para as seguintes perguntas: nunca te amei ou te amei demasiadamente?! Ao pensar que te amava, eu estava amando a mim mesmo?! Foste apenas objeto para eu descobrir a humanidade em mim?! Que melhor prova de que somos humanos do que o exercício de amar?
Mas não adianta formular a pergunta, quando a resposta é evidente. Assim, fui me enganando dizendo para mim, como numa espécie de mantra, que, pensando estar a te amar, eu estava, egoisticamente, amando a mim mesmo. Isso me servia de lenitivo, acalentava-me nas horas mais difíceis do dia, sobretudo quando te via a falar com outros que podiam ter aquele que me fora negado ter como senhor. E assim, fui criando um inventário de ilusões, tanto que cheguei a pensar em dizer-te que nunca foste razão de nada, apenas projeção para aquilo que em mim existia como desconhecido, inefável, como um território selvagem. Só nessa condição, quero acreditar?, persistes em mim. Entretanto, percebo que começas a cair no esquecimento, o mesmo a que sucumbo agora, ainda que releguemos para ele as coisas que, apesar, nos foram importantes. Não esqueces, porém: tudo foi encenação. Restas saber o quê. O meu amor em demasia ou a negação desse amor demasiado? A resposta, talvez, encontres quando, de volta, ouvires as palavras que aqui deixei serem entoadas como uma balada de amor ao vento.
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