I
Gostaria de começar dizendo que, ao escrever para ti, insiro-me naquela tradição de missivistas ridículos a que se refere Álvares de Campos, ao dizer que todas as cartas de amor são ridículas. No entanto, como ele mesmo trata de se justificar, somente aqueles que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículos. Ridículo ou não, eu precisava escrever-te. Queria que cada palavra compusesse uma parte de ti que sonhei em ter para mim. Inútil paisagem. Mas cada uma delas é uma tentativa vã de preencher a tua ausência em mim, vazio que me corrói, mas hiância de que me alimento.
Cada palavra, pensada, antes de ser escrita, era uma forma de eu tentar entender como cheguei ao estado em que estou, neste exato momento em que escrevo estas palavras que queria que fossem tuas, mas que são apenas minhas. Estas palavras que deveriam ser para ti, porém, são para mim mesmo. Ainda que eu queira, não escrevo para ti. Escrevo para mim mesmo, para alimentar a dor que me causaste, única marca de ti em mim.
Espero o dia em que as lembranças dessas palavras soem a mim ridículas. Todavia, até lá, vou, passo a passo, afundando-me nessa ausência que me sufoca. Como posso sofrer por algo que não foi meu? Queria tanto que respondesses às minhas perguntas! Mas elas morrerão comigo. Não cometerei duas vezes o mesmo erro. Pelo primeiro, que foi gostar de ti, ainda sofro. Pelo segundo, que foi perguntar por que me recusaste, tive mais ainda intensificada a dor advinda do primeiro.
Desde então, meu telos é sofrer. Mas para que tanto sofrimento? !Não sei responder, ainda que eu tenha na alma dilacerada os esboços de uma resposta. Eu que não aprendi a sofrer a minha dor resignadamente! Com ela, a ti só fiz acentuar o ridículo em que me tornei. Confessas que me achavas assim: RIDÍCULO. Queria poder ouvir gritares para mim. Mas não, insistias em fazer-te presente. E não sabes como a tua presença aumentava a minha dor! Queria poder fugir, mas algo me tragava a ti. Era inútil lutar contra o que não se queria lutar. Era inútil dizer que me afastaria de ti ou pedir que te afastasses de mim. Qualquer tentativa minha de fuga era em vão. Não adiantava fugir, quando eu queria estar próximo, sentir, mais do que o seu corpo, a sua presença! Foste a metade que era preciso arrancar de mim, mas que eu queria que ficasse colada ao peito, ainda que me fizesse doer. Eu suportaria o latejar da dor para que tu não te fizesses em mim ausência. Ausente era eu, que precisava de ti para me preencher! Ah, Mariana, agora entendo o teu sofrer! Eu, que rias de ti, vejo-me em situação deplorável! Sóror Mariana, intercede por mim para que, se não aplacada, seja, ao menos, a minha dor aliviada!
Olha, não quero que penses que eu estou com raiva de ti. Enviei-te aquela mensagem porque achei que aquele seria o momento de saber o porquê de uma pergunta cuja razão de ser nem sei se existe mais ou se existiu alguma vez. Deve ter existido, pelo menos em minha cabeça. Por que não eu? O que me faltava? Essa pergunta foi um fantasma que me rondou durante muito tempo. Se, ao menos, tivesses me dito que em mim não faltava nada. Que eu não te servia não por falta, mas por excesso! De amor, de atenção, de entrega. E que tu não estavas preparado para ser responsável por aquele cuja vida estava a depositar em tuas mãos. Talvez, seja essa a única queixa que eu tenho de ti.
Hoje não me interessa mais saber por quê. Se não te pronunciasses, era porque achavas que não era preciso dizer nada. Mas não sabes o quanto sofri com o teu silêncio que me doía muito mais do que a tua recusa, a tua indiferença, a tua confissão de novos amores, de teus encontros fortuitos aos quais eu me entregava a imaginar!
Quando, naquela mensagem, eu te falei que deverias ter sido mais claro e objetivo, estava referindo-me ao fato de que, quando percebeste o meu interesse, que estava descambando para algo bem diferente de uma amizade, poderias ter tido uma conversa franca e ter-me dito: “Não se iluda, eu não gosto de você do jeito que você pensa ou que você quer que eu goste”. Teria sido menos doloroso e já teríamos resolvido coisas que hoje ainda empurramos e que talvez ameace aquilo que mais prezo em ti: a amizade, ainda que seja essa a grande mentira de que eu me alimentava. Terias encurtado tanto o meu sofrer! Mas não, calavas-te e, assim, alimentavas-me as minhas projeções. Não digo esperanças. Essas morreram nos primeiros meses alimentadas pela tua indiferença. Desde, então, pesa-me viver.
Ainda assim, não vou negar que gosto de ti, que sinto ciúmes e até mesmo falta. Tu sabes que qualquer negativa seria falsa. Queria tanto que soubeste a falta que me fazes! Como algo que não nos pertenceu pode fazer tanta falta?! Creio que por isso mesmo, por nunca ter te tido, é que me tornaste mais e mais necessário, objeto precioso por ser-me inacessível. A falta do que poderia ter sido, mas não foi dói mais do que a falta do que foi e hoje não é mais! Estranho labirinto da saudade.
Passados esses anos todos, gosto, ainda, de ti de um jeito que não sei explicar, de uma maneira que só pode ser expressa respondendo, como Montaigne o fez diante do amigo morto: “Porque és tu; porque sou eu”. Não sei o que vi. Apenas que gosto.
Não sei por que não tiveste aquela conversa por que ansiei mais do que os teus próprios beijos. Ainda me lastimo por isso, muito mais do que por tua recusa. Talvez preferisses calar-te pelo mesmo motivo por que eu também me calei, recusando-me a ter aquela conversa, e que me fez, de certa forma, adiar declarar-te que tu eras desejado por mim: o medo de perder alguém que, de repente, se me tornou importante. Como eu queria que, de repente, a dor que sinto por ti se dissipasse em mim! Mas ela, irremediavelmente, resiste a todas as formas de que me valho para aplacá-la.
Só que o meu medo não tinha razão de ser: eu não temia perder-te. Eu temia perder a imagem de ti que eu criara em mim. O doloroso não foi perceber que não me “amavas”, uso esse verbo na falta de outro melhor, na mesma proporção em que eu te amava. Não vou dizer que não sentiste nada por mim. Sentias, sim. Quero acreditar que sentias! Não te quero atribuir a culpa da indiferença completa a mim. Mas fui egoísta de mais, exigindo só para mim o que também dividias com os outros: carinho, atenção, amizade.
Eu não soube amar sem exigir nada em troca. Eu amava, mas queria como recompensa a ti, somente a ti. Strani amore. Mas o doloroso foi perceber que eu amava uma projeção criada por mim mesmo. Se tiveste culpa, e não queria aqui achar culpados nem inocentes, foi apenas de teres sido escolhido por mim para seres o centro de minhas projeções. Mas neste caso a culpa não foi tua, ela foi minha mesmo. E hoje sou juiz e algoz de minha própria dor!
Vendo os fatos agora, acho engraçado que, apesar de desejar de ti um único beijo, só isso apenas, eu não desejei ou imaginei nada, além disso. Ainda não te desloquei do meu centro de projeção. Não sei quando farei isso. Mas quero que saibas que, independentemente de ainda seres ou não esse centro, ainda tu me importas. Procurei sofrer a minha dor resignadamente. Entretanto, não consegui. Falhei todas as vezes em que tentei.
Queria tanto que me tivesses ensinado a não gostar de ti como eu ainda estou a gostar! Ensina-me a desprender-me de ti, a soltar-me, a deixar que vás embora. Na falta dessas lições, inicia-se para mim um novo tempo: o de recolher-me. O da revolta já passou! Preciso, tal qual fênix, renascer. Por enquanto estou a sobrevoar o hades, a desviar-me das chamas em que me consumo desde quando o meu olhar mirou o teu. Olhos nos olhos. OLHARES. Minha perdição. Se eu soubesse o que me iria acontecer, teria desviado os meus olhos dos teus aos quais me prendi como se tivesse sido petrificado pelos olhos da medusa e, por isso, ainda vivo a arder neste inferno que é te amar.
2 comentários:
PS: Essa deve ser a primeira de algumas das cartas que possivelmente irão compor um romance epistolar à moda das Cartas Portuguesas, de Sóror Mariana Alcoforado.
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