sexta-feira, 30 de maio de 2008

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA PROTAGONISTA

Marcelo Medeiros da Silva – Doutorando – PPGL
Universidade Federal da Paraíba

I. Entre o rural e o urbano: espaços antagônicos no processo de formação identitária da protagonista de A sucessora


A questão da identidade sempre provocou debates bastante calorosos. Contemporaneamente, ela tem sido um dos assuntos da ordem do dia, principalmente porque as velhas identidades, forjadas sob as concepções de raça, gênero, classe, etnia ou nacionalidades, estão sendo postas em xeque. Essa crise por que passam as identidades é oriunda das transformações por que passa o conceito de sujeito. De acordo com Haal (2005), se antes o sujeito era visto como unificado, este mesmo sujeito, atualmente, encontra-se fragmentado. Essa cisão fez com que velhas identidades que, durante muito tempo, estabilizaram o mundo social entrassem em declínio e também se fragmentassem.
Nesse sentido, aquele sujeito visto como possuidor de uma identidade unificada e estável está se tornando, cada vez mais, fragmentado. Ele não é composto de uma única identidade, mas de várias identidades. Em nossa modernidade tardia, a identidade tornou-se, portanto, uma "celebração móvel": "formada e transformada continuamente em relação às formas pelas as quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam" (HAAL, 2005, p. 13).
Dessa forma, vista como uma convenção socialmente necessária, a identidade é um tema que tende a ser de graves preocupações e agitadas controvérsias. Ela "somente se torna uma questão quando está em crise quando algo que se supõe como fixo, coerente, estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza" (MERCER, 1990 apud HAAL, 2005, p.09).
Dúvidas e incertezas são, portanto, uma constante na vida da personagem principal de A sucessora. Este romance, escrito em plena ascensão do regionalismo brasileiro, narra a dura inserção de uma mulher num ambiente que lhe é, aparentemente, hostil e ao qual ela também é avessa. Nesse caso, como afirma Baumann (2005, p. 19), "estar total ou parcialmente ‘deslocado’ em toda parte, não estar totalmente em lugar algum [...] pode ser uma experiência desconfortável, por vezes perturbadora". Isso faz com que a identidade da personagem Marina seja um dos aspectos relevantes do romance em pauta. Ou seja, a construção de uma identidade feminina em meio às pressões de um mundo sedimentado em bases patriarcais é o que tentaremos demonstrar ao lermos o romance A sucessora.
Narrado em terceira pessoa, esta obra apresenta alguns traços psicológicos, é escrita num estilo preciso, claro e dinâmico. A escolha de um narrador de terceira pessoa é interessante. Expliquemo-nos. Como Marina não consegue falar de suas angústias, como entre ela e os que a rodeiam medeia a incomunicabilidade, pois diante deles, mesmo que suas idéias se contraponham às delas, Marina prefere calar-se, somente através desse narrador que nós, leitores, temos acesso às angústias "existenciais" dessa personagem e podemos compartilhar de suas afetações psicológicas, as quais, para Roberto, seu esposo, não passavam de simples crises nervosas.
Entretanto, essas crises nervosas são reflexos de uma crise mais profunda: uma crise de identidade, que, a princípio, é deflagrada porque Marina vem de um espaço completamente antípoda àquele em que ela está. Esse choque de valores, que desencadeia essa crise de identidade, se deve ao fato de Marina ter sido criada num mundo com valores e tradições diferentes dos que caracterizam o mundo de seu marido:
Mas Marina vinha de outro meio. O Brasil dela era o velho Brasil agreste dos antepassados fazendeiros. Roberto tinha sangue estrangeiro, tinha avós dos Flandres, emigrantes de terceira classe. Os de Marina haviam sido por muitas gerações proprietários de santa Rosa, a fazenda mais antiga do estado do Rio. Eram donos de toda a terra que divisavam das janelas da grande casa colonial, alegra de azulejos, a casa solarenga em que Marina nascera, e que pertencia por herança á sua mãe. Através dos tempos coloniais e do Império, Santa Rosa criara na família fortunas e questões, até a Abolição que a sorvera. Agora agonizava.
Se Marina vinha desse mundo que, agora, agonizava, Roberto vinha de um mundo em que o dinheiro e o progresso ditavam as normas:
Este era o outro Brasil, o Brasil novo, industrial, no qual nascera Roberto, e que chamava os braços da lavoura para as cidades, as fábricas e a tuberculose, mas que não produzira ainda, mesmo na capital, senão um fraco punhado de residências como esta e de fortunas como a que Roberto gastava largamente, na vida organizada para o casal por Alice, no fausto que destacava dos hábitos de seus amigos e que atraía a atenção dos invejosos (AS, p. 13).
No encontro desses dois mundos, o Brasil agrário e escravista e o Brasil industrial e capitalista, Marina sente-se duplamente angustiada, pois, além de estar preocupada em ocupar um posto que antes fora ocupado por Alice e que se encontrava vazio, tem de aprender a viver num mundo regido por regras e convenções diferentes das que regiam o seu mundo de Santa Rosa.
Neste deslocamento, ela passa por uma crise de "pertencimento". Neste caso, a categoria de espaço é também importante na análise de A sucessora, pois é a partir do deslocamento do meio rural para o meio urbano que Marina se sentirá descentrada, sem bases fixas. Essa sensação de não ter um centro em que se apoiar é decorrente do fato de essa personagem passar a ser inserida, conforme já dissemos, num espaço que não foi construído por ela, nem para ela e que ainda está impregnado pelas marcas, gostos e cheiros da primeira esposa em relação à qual Marina se vê como a outra, a segunda esposa.
Nesse sentido, um outro aspecto não pode ser esquecido: o fato de Marina só se sentir mais angustiada quando ela está na mansão dos Steen. A casa é um elemento (simbólico) muito interessante. É desse espaço, construído por outra, que Marina vai se apossar e, como ela não obtém sucesso nessa empresa, sente-se deslocada. Por isso, o desejo de retornar a Santa Rosa. Lá ela fora criada, sentia-se forte e revigorada. Em Santa Rosa, ela estava livre das influências de Alice, da casa e dos amigos dos Steen.
Se antes, lá em Santa Rosa, Marina pertencia a um lugar onde tinha sólidas localizações, ela, ao entrar no mundo de Roberto, passa a se sentir deslocada, uma vez que está descentrada de seu lugar no mundo social e cultural. Isso a leva a ficar descentrada de si mesmo, por isso sente-se angustiada com a presença de Alice. O processo de identificação de Marina a essa nova paisagem cultural e social não traz para ela nenhuma segurança ou estabilidade. Como se sentir segura dentro de uma casa e em meio a um círculo de amigos que pertencera à esposa morta e que lhe cultivam a memória? Alice, ainda que ausente fisicamente, pois está morta, mantém-se viva. A casa, que ela construiu a seu gosto e com a fortuna do marido, guarda ainda o seu cheiro, os objetos continuam dispostos do jeito que ela havia mandado e até mesmo o jantar era servido à hora antiga.
Nesse novo ambiente, Marina terá de conviver também com a indiferença até mesmo dos empregados para quem ela sempre será a outra e alguns dos quais lhe nutriam um secreto rancor. Além disso, nessa difícil tarefa de substituir Alice, criatura de um extraordinário magnetismo, e de integrar-se a esse "admirável mundo novo", Marina, jovem ingênua e pueril, entra em choque com os valores culturais que são diferentes daqueles em que a sua identidade fora forjada. Ela fazia parte de uma sociedade em que as tradições tendem a se ossificar, porque contém e perpetuam as experiências de gerações. Sua mãe e a sua própria casa representam isso. D Emília é o centro político e social em Santa Rosa e a própria casa dela abriga uma leva de escravos que, mesmo depois da Abolição, continuaram lá, pois era mais cômodo. Esse mundo, para Roberto, típico representante dessa nova sociedade capitalista, parece ser inverossímil:
– Todo este quadro, que é o seu, me parece inverossímil, disse Roberto. Esta vida patriarcal, que continua como nos tempos da escravidão. Esta existência, sem telefone, sem eletricidade, longe de tudo, a trinta quilômetros de uma vilazinha à-toa com cinema de terceira classe. Sua mocidade enterrada aqui, sua beleza escondida como a de uma princezinha na torre. Seu ar distante. E tudo mais... a cerimônia na capela, a voz de sua mãe. Doma Emília, além do mais, é o guia espiritual desta gente, não é? (AS, p. 59).
Vinda desse mundo, Marina é vista por Roberto como uma selvagenzinha que precisa ser civilizada: "Tu é que mudarás porque vieste para o meu mundo ... a fazenda ficou para lá. [...] Não quero comparações em que percas... (AS, p. 18)". Vivendo entre a necessidade de civilizar-se, Marina sofre com a "opressão do desconhecido que a cercava de toda parte". Essa não-identificação tornar-se-á para ela bastante problemática e ela passará a ter alucinações constantes pensando estar, a todo tempo, sendo vigiada por Alice.
Mesmo assim, era preciso civilizar a "boa selvagem". Essa tarefa caberá a sua cunhada. Germana, mulher de pulso forte, via isso como "uma tarefa longa, mas cheia de possibilidades interessantes. Não havia tempo a perder". Marina, formada dentro de uma tradição em que o único direito da mulher era obedecer: "aceitava a infabilidade de sua nova família [...] deixaria que a fé e a submissão a guiassem no amor como na religião. Queria aprender, para seguir os gostos de Roberto como um credo. Germana seria a professora" (AS, p. 35).
Civilizar, neste caso, dentro da ideologia em que Germana e Roberto foram forjados, não quer dizer tornar Marina capaz de refletir sobre sua condição; mas, sim, despi-la de seus traços culturais antigos e vesti-la com o manto da civilização: roupas, tecidos, perfumes e modos burgueses. Civilizar é, portanto, submeter-se às convenções sociais estabelecidas por um único grupo: aquele a que pertencem Roberto e Germana.
II. Ela ou Eu: quem será a dona da casa?
Num primeiro momento, a impressão que temos ao ler A sucessora é que Marina se sente deslocada por estar num espaço diferente daquele em que ela fora criada. Entretanto, a crise de identidade por que passa essa personagem vem de um outro fato: a imposição de um papel inflexível – ser esposa. Esse papel é mais difícil para Marina porque ela tem de ser esposa de um homem que já tivera uma outra esposa de quem todos gostavam e que a todos hipnotizava. Noutras palavras, romance psicológico "muito fino e muito delicado, [...] um estudo muito bem fixado de sentimentos e paixões difíceis de exprimir literariamente" (LINS, 1941, p. 234), a sucessora narra os conflitos psicológicos da heroína que se sente inferior à primeira esposa de seu marido, Roberto Steen.
Neste caso, a casa dos Steen tornar-se-á para Marina um espaço asfixiante. Se o meio rural e o urbano são macrocosmos por onde desfilam Marina, Roberto e outros personagens, a casa dos Steen é o "eixo microcósmico em função do qual se vai definindo a condição histórica e social dos personagens" (REIS e LOPES, 1988, p. 205). Em A sucessora, a casa e todos os objetos que a compõem desencadeiam a relação conflituosa entre Marina e esse meio marcado por luxo, riqueza e outros objetos que lhe são estranhos. Sendo assim, o espaço, ao lado da personagem, é uma das categorias narrativas que gozam de importância na leitura/análise do romance em pauta. Aliás, o espaço é categoria prioritária e fundamental no desenvolvimento da ação neste romance.
Na questão do espaço narrativo, o ponto central que orienta a discussão está ligado "à utilidade ou à inutilidade dos recursos decorativos empregados pelo narrador em sua tentativa de situar a ação do romance" (DIMAS, 1987, p. 33). Dentre os elementos narrativos presentes n’a sucessora, o retrato de Alice é um elemento essencial e, portanto, intrínseco à narrativa. Aliás, este romance surgiu a partir de um conto que se chamaria justamente "O retrato da primeira esposa". Neste caso, usando a terminologia de Tomachévski (1976), o retrato de Alice constitui um motivo associado. Ou seja, ao contrário dos motivos livres, que dizem respeito "aos adereços que fazem parte da trama, isto é, são os elementos acidentais de uma estória", os motivos associados são aqueles que não podem ser excluídos da fábula narrativa sob pena de danificar sua sucessão causal.
Noutras palavras, os motivos associados são essenciais e não acidentais. Sendo assim, a ausência do retrato de Alice no romance em pauta lhe arruinaria a seqüência, lhe comprometeria os nexos de causa e efeito. Ou seja, é a presença deste retrato que provocará em Marina as suas crises nervosas, pois ele é a presentificação de Alice, a esposa morta. Alice, mesmo morta, domina toda a cena literária e, como um espírito, paira entre os novos amantes. Essa presença invisível faz com que ela, na opinião de Álvaro Lins, seja elevada à categoria de heroína principal, ou seja, "aquela que faz mover toda a história e todos os personagens" (LINS, 1941, p. 237):
Na parede central, com os olhos pretos e brilhantes dirigidos para a porta, com a mão levantada acolhedoramente, Alice, fazendo de dona de casa, parecia receber a sucessora como a uma hóspede passageira, e dizer ao marido: "Amo-te e quero-te feliz. Não receio a comparação" (AS, p. 13-14).
Alice pode não temer comparações, mas Marina, a todo tempo está se comparando com ela e sente que sempre perde, pois não consegue ter os mesmos predicados que tinha a primeira esposa tampouco achar uma única falha nela. Marina sente-se atrapalhada com esse mundo de luxo e de novidades:
Estranhava ainda nos espelhos a imagem elegantíssima da jovem senhora, casada há um mês e que sua mãe desconheceria. Na lua-de-mel, através de grandes hotéis da Argentina e do Uruguai, as toilettes haviam pela primeira vez assumido para ela papel importante. Em solteira, na fazenda, a moda não lhe entrava nas preocupações. Para santa rosa bastavam vestidos de algodão, e, cada ano, um de seda, para receber hóspedes de cerimônia. Já datavam de sua adolescência as viagens à Europa, suspensas desde a morte do pai (AS, p. 11).
Marina não se sente deslocada apenas porque precisa se submeter ao gosto experiente do marido e da cunhada ou porque lhe faltava "discernimento para julgar da qualidade dos tecidos ou da perícia do corte" (AS, p. 11). A sua crise de identidade vem sobretudo da luta que se trava entre ela e (o espírito de) Alice para saber quem vai ser a dona da casa. Nesse espaço, Marina procurará se firmar como senhora, ainda que Alice seja o seu ponto de referência. Apesar disso, Marina procura também marcar, ainda que linguisticamente, diferença entre ela e a primeira madame Steen e "sempre que se referia a Alice, Marina dizia ‘ela’. Não se julgava autorizada a chamá-la pelo nome com uma intimidade que nunca existira" (AS, p. 15).
No entanto, Marina perceberá que a sua sucessão não será fácil, daí as constantes comparações com Alice. Ela, "uma menina que nunca saiu da roça", sente-se atrapalhada na condução dos trabalhos da casa e nas recepções sociais: "Antes, pensava Marina, Germana tomasse abertamente a direção, sem consultas, sem tanto desejo de instruí-la nas novas funções" (AS, p. 78). Não saber dirigir a sua nova casa torna, portanto, a adaptação de Marina mais difícil, uma vez que ela não estaria desempenhando bem o seu papel de esposa. Muitas vezes, angustiada com essa sua incapacidade para a realização dessas prendas domésticas, Marina procurava pedir conselhos a Roberto. Todavia, vivendo num meio em que os valores masculinos prevalecem, a preocupação de Marina em manter a casa em ordem, o que ela não conseguia, pois não era acostumada a dar ordens tampouco pensar no de que uma casa precisava, não era bem vista por Roberto, cujas preocupações financeiras, atividade "tipicamente" masculina, eram mais importantes do que as preocupações "domésticas" de Marina.
Sem poder contar com a ajuda de Roberto, Marina vai buscar a ajuda de Alice a fim de, estudando os seus jeitos e modos, tornar-se uma esposa digna de ser chamada de madame Steen. Para tanto, é preciso deixar os velhos modos e adquirir outros novos que permitam a ela saber se portar numa ambiente onde a figura ideal de mulher era aquela que deve saber exibir-se, ainda que lhe faltem instruções intelectuais.
Entretanto, Marina, apesar de ter sido educada num ambiente em que se prepara a mulher para cumprir os seus "sagrados" deveres de esposa e dona de casa, não conseguia exercer bem esse papel, pois lhe faltavam instruções. Ela era uma mulher de cultura. Educara-se entre livros e deles falava com desenvoltura, ainda que, em seu meio, mulher inteligente fosse aquela que saber escolher entre um tecido e outro. Nesse novo ambiente em que as conversas das mulheres eram marcadas pela estética do vazio, a intelectualidade de Marina soava como algo estranho. A ela, era permitido não falar de livros ou de seus autores preferidos, mas apenas das prendas domésticas, ou seja, daquilo que, completamente, ela desconhecia.
Apesar das tentativas de inserção nesse novo ambiente, Marina não consegue obter êxito nem tampouco se livrar da sombra de Alice:
Naquela noite marina teve um sonho, muito nítido, e terrível. Apareceu-lhe Alice, com a atitude e o vestido do quadro de Verron. A expressão, porém, era outra... Ria... Mas um ameaça secreta e esmagadora enfrentava marina debaixo desse riso, Falou:
– Eu morta? Morta, achas? Que pilhéria? (AS, p. 95).
Como se pode perceber, Marina ainda está em constante luta com Alice. Desse embate, Marina chega a questionar a si mesma, pondo em xeque a sua identidade: "– Mas se você não morreu, quem sou eu? Perguntou. Agarrava-se a si mesma como a uma sombra que escapulia. Mas ninguém lhe ouvia a pergunta agoniada todos riam" (AS, p. 96). Esse embate entre Marina e Alice será importante para a formação da identidade da primeira personagem. Aliás, como afirma Baumann (2005, p.84), sempre que ouvimos a palavra "identidade", devemos estar certos de que está havendo uma batalha, pois o campo de batalha e o lar natural da identidade. Esta é, na visão do referido sociólogo polonês, "uma luta contra a dissolução e a fragmentação; uma intenção de devorar e ao mesmo tempo uma recusa resoluta de ser devorado" (BAUMANN, 2005, p.84).
Ora, é essa tensão que vivencia Marina, pois esta tenta devorar Alice ao mesmo tempo que busca evitar ser tragada pela outra. Entretanto, vencer essa luta torna-se bastante difícil para Marina, principalmente porque ela não consegue se desvencilhar da obsessão que passou a nutrir por Alice, desde que se casou com o esposo da falecida:
Alice, morta e aparentemente esquecida, tomara um lugar primacial na sua vida. A sensação da presença constante tornou-se para marina tão verdadeira quanto qualquer das suas ocupações, das palavras que dizia, das ordens que dava em casa, dos compromissos sociais que aceitava e cumpria (AS, p. 168).
No entanto, embora essa presença inevitável de Alice seja bastante dolorosa para Marina, ela é importante para a construção da identidade de Marina, porque a identidade só pode ser construída a partir de vínculos que ligam o eu a outras pessoas, ou seja, "precisamos de relacionamentos, e de relacionamentos aos quais possamos referir-nos no intuito de definirmos a nós mesmos" (BAUMANN, 2005, p. 75). Só que, como não consegue identificar-se àquele ambiente que ainda recende ao cheiro e aos toques de Alice, pois "o desejo por identidade vem do desejo de segurança, ele mesmo um sentimento ambíguo" (BAUMANN, 2005, p. 35), Marina, "às vezes, fazendo mais precisa a sua oração, pedia que ardesse, até o último tijolo, a casa que fora de Alice" (AS, p.175).
No entanto, o fogo não veio e a mansão dos Steen continuava de pé a receber a influência de Alice: "a consciência do retrato de Alice veio ao encontro de Marina no limiar da porta. Sua influência agora atravessava as paredes, de modo que já não adiantaria retira-lo. Agora mesmo no porão, mesmo coberto de lona, a imagem dominaria a casa toda, desafiando Marina" (AS, p. 195). Diante da impossibilidade de vencer esse desafio, Marina toma consciência de sua incapacidade total para a substituição de Alice e descobre-se ocupando uma posição falsa, pois "precisava deixar de ser ela mesma, representar um personagem. Todos os caminhos lhe estavam traçados. Seu papel era continuar a vida de Alice, refazer a felicidade de Roberto, sem ter liberdade para criar coisa alguma, ou para ser ela mesma" (AS, p. 198).
Viver tentando "remediar o irremediável, fazer uma substituição de emergência" torna a existência de Marina mais difícil, e sua identidade mais fragmentada, pois ela nem consegue ser ela mesma tampouco consegue ocupar o lugar de Alice. E "isso só tornava mais patente a sua posição falsa, a impossibilidade de ser feliz, à sua moda, com uma felicidade que não fosse reprodução de outra, que fosse pequena, sem luxo – que lhe importava esse luxo que a cercava? – mas que fosse sua, sem espectros à vista, e a deixasse viver sua própria vida, traçar seu próprio caminho" (AS, p. 198).
Dando-se por vencida, Marina resolve largar tudo e voltar para Santa Rosa, lugar onde nascera e poderia afastar-se para sempre de Alice. Ali, Marina estaria num espaço que ela conhecia e podia circular sem receios. Assim como Alice se sentia ou era tida como dona da mansão dos Steen e podia circular com desenvoltura nos meios sociais do Rio de Janeiro, Marina sentia-se dona dos espaços ocupados por Santa Rosa e que há anos pertenciam à sua família:
Agora, fulminantemente, quase chegando à fazenda, ela mesma descobriu que, embora seus pensamentos estivessem sempre em outros cenários, era este que lhe pertencia. Compreendeu que era filha desta terra brasileira, filha até a medula, desta natureza misteriosa e temível, onde lutaram seus avós, e de onde lhe vinha essa nostalgia da alma que perseguia a vida (AS, p.216).
Todavia, apesar desse momento de liberdade, Marina, mesmo sem ter conseguido adaptar-se ao meio de Roberto, precisa voltar ao Rio de Janeiro, à casa de Paissandu, pois ela é "uma mulher do dever"; "Tu não és livre. És casada" (AS, 234), argumenta Roberto. Vivendo numa época e numa sociedade que lhe reservava poca e numa sociedade que reservava arina, mesmo sem ter conseguido adaptar-se aomeio de Roberto, precisa voltar ao Rio de Jane apenas o direito à submissão, não restava a Marina outra opção a não ser obedecer e regressar ao Rio, aos domínios de Alice.
III. Deixando a sombra da outra: a falha em Alice
Diante da impossibilidade de continuar em Santa Rosa e da iminência de ter de voltar ao Rio, Marina, vencendo "a sua habitual submissão de mulher tímida", resolve, contrariando os desejos de seu marido e desobedecendo aos princípios que recebera em sua educação, permanecer naquele local que era seu e que causava enjôos a Roberto, que precisava retomar a sua vida: "o concurso hípico para o qual oferecera uma taça. A corrida que sua lancha-motor tinha probabilidade de ganhar. Um casamento no qual ia ser o padrinho. Lembrou que Germana só esperava o egresso de Marina para marcar o dia de seu primeiro jantar na estação" (AS, p. 245).
Noutras palavras, Roberto tinha uma vida que precisava continuar e não podia parar simplesmente porque a sua nova esposa não conseguia se adaptar ao meio social e aos amigos dele. Mesmo assim, Marina procura convencê-lo de que ela precisa ficar em Santa Rosa, mas a posição dele é irrevogável. Ela, mesmo assim, procura manter-se firme na decisão de não regressar ao Rio, mas muda sua opinião ao descobrir-se grávida: "Com a perspectiva de maternidade, toda a antiga coragem de Marina, toda a sua submissão ao dever, voltaram, numa gradação lenta e segura como a de uma maré salvadora. Anunciou a Roberto que estava disposta a regressar" (AS, p. 249).
Mas a maternidade traz outras novidades para Marina. Durante todo o romance, a angústia dela advinha do fato não só de não se adaptar ao seu novo meio social e ocupar o posto de madame Steen, mas, sobretudo, do fato de não encontrar uma falha, por menor que fosse, em Alice: "uma das esperanças de Marina, esperança reprimida, mas tenaz, era de uma dia encontrar alguma falha secreta na vida de Alice que a derrubasse do seu pedestal" (AS, p. 176). No entanto, em meio a uma viagem que fizera logo após ter regressado ao Rio e que lhe fora recomendada pelo médico para que pudesse acalmar-lhe os nervos, já que Marina era, na opinião do médico que a atendera, "uma moça nervosa e de imaginação ativa. Desconfio de alguma obsessão ou idéia fixa, coisa talvez mais antiga" (AS, p. 250), ela, meio que por acaso, descobre a tão desejada mácula em Alice:
– Não houve filhos do primeiro casamento, houve?
Marina sentiu agora o olhar de Lúcia sobre ela. Desta vez, se, por um remoto acaso, o vento não lhe tivesse trazido as palavras, como soprando-as ao ouvido, ela não teria percebido nada da resposta, em tom confidencial:
– Não... e por isso Alice nunca foi uma mulher completamente feliz ... (AS, p. 264).
Eis, portanto, o grande senão de Alice: ser estéril. Ao contrário dela, Marina poderia propiciar a Roberto aquilo que a sua primeira esposa fora negado – descendentes:
Pôs-se a pensar, mais uma vez, no que o filho esperado significava para Roberto. Frequentemente ela medira o prazer do marido, vendo o entusiasmo de seus planos de futuro, vendo sua preocupação de cada momento com ela, com sua saúde, com seu conforto e bem-estar. Notara nele um acréscimo de interesse por tudo, mesmo pelo futuro distante. Viu que se lhe alargavam os sonhos e os projetos em torno de suas propriedades, de suas indústrias. Até pela casa de Paissandu, a afeição de Roberto parecia crescer. Tudo se tornara mais seu, por haver um dia quem lhe sucedesse naquilo que ele recebera do pai e que acresceria para os filhos. Dizia que a prosperidade dos Steen e seus serviços ao país deveriam acompanhar sempre os progressos do Brasil.
– Não são somente os reis que precisam de herdeiros, declarara Roberto uma vez. Os novos-ricos precisam também (AS, p. 265).
Ao contrário de Alice, Marina poderá ser uma mulher "completa", pois, como apregoava o pensamento ideológico vigente à época em que o romance em pauta foi escrito, ser mulher é ser mãe delicada e atenciosa, mas sobretudo ser mãe. Vivíamos na época do determinismo biológico. Poder permitir que os Steen continuem através de seus filhos faz com que Marina veja Alice com outros olhos e chegue a apiedar-se daquela que foi o motivo de muitas de suas angústias, pois Alice "agora cai no esquecimento da morte, contra o qual não há defesa. Tudo que a vida lhe dera, agora vem para mim ... E mais do que ela teve" (AS, p. 268).

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos dizer que A sucessora, se não retrata, traz, pelo menos, resquícios de uma época, meados do século XIX, em que a sociedade brasileira foi marcada por profundas transformações: a consolidação do capitalismo, incremento de uma vida urbana que oferecia novas formas de convivência social, o surgimento da burguesia e a reorganização das vivências familiares e domésticas. É nesse cenário que emerge uma nova mulher, a qual nasce num ambiente marcado pela valorização da intimidade e da maternidade. Aliás, vai ser esta o trunfo com o qual Marina vencerá Alice e acabará com sua obsessão por ela. Por isso, principalmente por causa desse último aspecto, dentro de uma trajetória da narrativa brasileira de autoria feminina, Carolina Nabuco pode ser enquadrada no que Xavier (1998), a partir de Showalter (1985), chamou de a primeira fase: a feminina.
Ao contrário da segunda que, denominada de feminista, é marcada pelo protesto e ruptura com os modelos hegemônicos e ao contrário da terceira, que, chamada de fêmea (ou mulher), é caracterizada pela auto-descoberta e pela busca da identidade, essa primeira fase é marcada pela reduplicação dos valores tradicionais e pela imitação dos modelos da cultura dominante. Nesse caso, Carolina Nabuco, em A sucessora, apesar de ter, do ponto de vista psicológico, construído uma romance mais elaborado, não escapou da reduplicação dos valores patriarcais vigentes. Enfim, ela escreveu uma ficção que faz apologia à ideologia do patriarcado e ratifica a idéia de que lugar de mulher é em casa. Essa parece ser, portanto, a marcada indelével presente na construção da identidade de Marina, a personagem principal do romance em tela. Entretanto, não é só sob essa óptica que Carolina Nabuco, assim como boa parte das escritoras dos oitocentos, deve ser vista, porque essa perspectiva nos induz a querer exigir dessas autoras uma ruptura com a ordem estabelecida, o que, a nosso ver, deixa de lado as injunções sociais a que estavam submetidas.
Embora registrando a posição de exclusão da mulher dentro de uma sociedade feita de homens e para homens, Carolina Nabuco não consegue romper, conforme aponta Xavier (1998) e nisso concordamos, com as tradições em que foi forjada. Instruída na mais fina educação de recato e obediência aos princípios morais, à qual muitas mulheres da época não puderam ter acesso, e filha da elite branca, política e aristocrática, esta autora parece inserir-se num rol de escritoras bem-comportadas, ou seja, mulheres que, sem alterar a posição dos homens, desejavam ser incluídas em novos espaços sociais sem que isso alterasse as relações de gênero. Por outro lado, mesmo nessa posição de recato, essa escritora, eis, portanto, o seu mérito, que uma leitura apressada pode deixar passar despercebido, fala de si e de muitas mulheres que, embora vivendo no século XX, tinham suas vidas moldadas pelos padrões do século anterior, ou seja, deviam seguir os padrões de uma tradição burguesa segundo os quais uma verdadeira mulher deveria saber cumprir o seu papel de moça bem-comportada, filha exemplar ou esposa abnegada. Talvez, por isso, avultem no enredo de suas narrativas personagens femininas cuja identidade é construída a partir do modelo propalado pelo patriarcalismo: esposa, mãe, dona-de-casa.
Neste caso, ao contrário de pensar que a presença dessas imagens estereotipadas sobre o feminino seja uma adesão inconteste à ideologia do patriarcalismo ou a ratificação de uma identidade feminina marcada pela domesticidade e pela submissão aos desígnios masculinos, cremos que a não abordagem de temas contrários à ordem patriarcal tenha sido uma estratégia, "inconsciente", utilizada para obter acesso e, depois, reconhecimento e trânsito livre em espaços restritos apenas aos homens. Dessa forma, falando de mulheres cuja maior preocupação era as bagatelas da vida doméstica, Carolina Nabuco estava dando os primeiros passos na constituição de uma tradição literária feminina e indo mais além, pois, expondo o cotidiano das lides domésticas, ela apontava, em suas obras, o que, embora óbvio, era visto como natural dentro do sistema ideológico vigente: a submissão feminina numa sociedade que valorizava o sermo paterno.
Noutras palavras, Carolina Nabuco faz parte de um rol de autoras a quem devemos reconhecer como pioneiras no campo das letras, principalmente porque tanto Carolina Nabuco quanto essas outras escritoras nasceram numa sociedade que passava por mudanças sócio-culturais bastante acentuadas, especialmente no que tange à condição feminina. Neste caso, podemos aplicar-lhe o que disse Schmidt (1995, p. 187) das escritoras dos oitocentos:
Desafiando o processo de socialização e transgredindo os padrões culturais, tais escritoras nos legaram uma tradição de cultura feminina que, muito embora desenvolvida dentro da cultura dominante, força a abertura de um espaço dialógico de tensões e contrastes que desequilibra as representações simbólicas congeladas pelo ponto de vista masculino. O feminino como passividade e conformidade dramatizado na "estética da renúncia", na "temática da invisibilidade e do silêncio" ou na "poética do abandono" se desdobra na prática representacional de resistência do sujeito consciente que estilhaça o discurso das exclusões, para lançar a pergunta impensada: o que acontece quando o objeto começa a falar? (SCHMIDT, 1995, p. 187).
Apesar de sua importância, Carolina Nabuco ainda está trancafiada atrás das duras portas do olvido e sua obra também está por ser completamente estudada, razão por que se justifica o presente texto que faz parte de uma pesquisa maior (cf. SILVA, 2007a e SILVA, 2007b) cujo objetivo principal é evitar que a obra dessa autora continue rumando para o ignoto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BAUMANN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
DIMAS, Antonio. Espaço e romance. São Paulo: Ática, 1987.
HAAL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 10.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
LINS, Álvaro. Jornal de Crítica – 1ªsérie. Rio de Janeiro: José Olympio, 1941.
NABUCO, Carolina. A sucessora. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/d (Coleção Prestígio).
NABUCO, Carolina. Oito décadas – memórias. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
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2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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