terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

SEVERINA BRANCA: A FLOR ENCARDIDA DO PAJEÚ


O Pajeú é uma região pernambucana cujo solo é fértil para as sementes da poesia. Nos caminhos do Pajeú, muitos são os poetas e poetisas. Essas em número menor, mas igualmente grandes quando o assunto é poesia. Das sementes raras, porque antigas, o nome de Severina Branca fincou raízes no imaginário popular e recebe ainda deferências poéticas de muitos vates que sabem o valor daquela que, sendo prostituta, permanece sendo muito mais poeta.
Levada à prostituição quando jovem e tendo, durante muito tempo, como lenitivo apenas a bebida, Severina Branca teve uma vida bastante boêmia e fez fama como poeta-prostituta ou prostituta-poeta em toda a região do Pajeú. Hoje, a poeta vive em uma casa humilde onde existem poucos móveis e o ar é impregnado pelo cheiro dos animais que lhe servem como companhia: uma cachorra a que deu o nome de Kátia e alguns gatos um dos quais chama de Louro do Pajeú.
 Em um ambiente quase inóspito, parece-me que Severina se autoexilou. O olhar meio perdido tem receio de falar do passado. O riso incontido revela força no velho corpo alquebrado que traz em si o peso dos anos, as marcas da vida sofrida e o acúmulo de sujeira que se incrustou como se fosse uma segunda pele. Severina Branca encardiu-se.
Lúcida, Severina declamou alguns poemas seus que foi buscar no fundo da memória. Não sei se em seu semblante a testa franzida, o olhar meio que perdido eram o receio de compartilhar seus versos, já que a poesia parece ter sido alimento para um corpo tão sofrido, ou era receio mesmo de ser forçada a se deparar com sentimentos, lembranças que a levassem a um passado do qual ela procura se esquivar.
Passado o tempo e amargurado os anos, parece-me que Severina Branca, ainda que tenha nos recebido com sorriso e um pouco de alegria, vive na amargura do silêncio ou fez da própria vida a glosa para o mote que a eternizou: “O Silêncio da noite é que tem sido/ Testemunha das minhas amarguras”. A antes poeta da embriaguez vive na lucidez de quem tem consciência de que teve uma vida trágica porque marcada por tantos infortúnios que, no presente de privações, nem o passado lhe pode servir como consolo.


Texto escrito por Marcelo Medeiros da Silva. 

Imagens de Asley Ravel 










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